Eles ofereciam um par de córneas por 5000 dólares. Por 30000, talvez até pouco menos, prometiam um rim. Na sexta-feira 20, a polícia federal americana prendeu em Nova York dois chineses acusados de umcrime espantoso, desses que parecem existir mais na imprensa sensacionalista do que na vida real: a venda de órgãos humanos. As provas são avassaladoras.
Cheng Yong Wang e Xingqi Fu foram filmados oferecendo transplantes de rins na China, além de córneas e outras partes do corpo humano para exportação. O flagrante revela não apenas a existência de um tráfico internacional de órgãos, mas reforça a denúncia, feita por entidades de defesa dos direitos humanos, de que a China está saqueando corpos de condenados executados para abastecer bancos de órgãos.
Numa conversa gravada, Wang, 41 anos, que se apresenta como ex-promotor de Justiça em sua terra natal, e Fu, 34, um imigrante, confirmaram as prisões chinesas como origem dos órgãos postos à venda. Os negócios de Wang e Fu foram descobertos depois que o dissidente Harry Wu se encontrou com os traficantes num hotel de Manhattan.
Sobrevivente a dezenove anos em campos de trabalho forçado na Chinae agora americano naturalizado, Wu gravou, com uma câmera escondida, imagens da negociação e as entregou ao FBI. As prisões podem resultar nas primeiras provas de um comércio denunciado como corriqueiro por organismos de direitos humanos.
A China não nega que os doadores são realmente prisioneiros condenados à morte, mas insiste que os órgãos são retirados apenas de voluntários. Na última década, centenas de estrangeiros - principalmente de Hong Kong, Taiwan e Cingapura - pagaram pequenas fortunas por transplantes, sobretudo de rins, em hospitais chineses. No ano passado, o The China Journal estimou que 10% a 15% dos pacientes de transplantes de rins no país são estrangeiros. Não é por outra razão que muitos hospitais chineses construíram alas separadas para o atendimento de pacientes vindos do exterior.
Campeã em execuções - As publicações médicas estimam em cerca de 2000 por ano os transplantes de rins na China. "É impossível imaginar que prisioneiros condenados possam ser voluntários num sistema penal tosco como o chinês", diz Harry Wu. A China também é suspeita em razão da facilidade com que seus tribunais condenam à morte.
Sozinho, o país executa mais prisioneiros do que todo o resto do mundo. Segundo a Anistia Internacional, foram 4367 mortes em 1996, ano em que 6100 pessoas receberam pena capital. O número de execuções cresce a cada ano, na proporção inversa à tolerância.
Em 1980, 21 crimes poderiam ser punidos com a morte. Hoje são 68, entre os quais a emissão de cheques sem fundo a partir de 5000 dólares e o envenenamento de bois e vacas. O sistema judiciário chinês não respeita os procedimentos internacionalmente aceitos e é rápido nos processos. Muitas vezes, réus que só têm direito a advogado poucos dias antes do julgamento são condenados e mortos em menos de duas semanas.
Antes da execução, segundo a Anistia Internacional, todo preso passa por exame médico. A Secretaria de Saúde local recebe as informações e inicia contatos com hospitais que realizam transplantes. Depois do fuzilamento - o custo das balas usadas na execução é cobrado da família do condenado -, uma ambulância leva o corpo até a clinica indicada para a remoção dos órgãos. Como é costume cremar os restos mortais, os parentes não ficam sabendo da operação.
A venda de órgãos é ilegal na China, mas o uso de condenados executados como doadores está perfeitamente dentro da lei. Acontece que a corrida do pais em direção à economia de mercado tem pressionado a medicina estatal a também se fazer rentável. O trágico é que o tráfico de órgãos parece ter-se convertido na principal fonte de renda de muitos hospitais.
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